segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O MBL e a ditadura da miséria

Descrição para cegos: imagem capturada de vídeo do MBL no YouTube mostra Kim Kataguiri falando para a câmera. Abaixo do vídeo, lê-se: “Lugar de vagabundo é na cadeia! Ajude o MBL na luta contra a impunidade.”
Por Gabriel Neves

O Movimento Brasil Livre (MBL) deu início, no dia 19 de junho, por meio do You Tube, a uma campanha contra o regime semiaberto no Brasil. Esse regime consiste na possibilidade de os presos cumprirem suas penas fora das penitenciárias, saindo durante o dia e retornando à noite. Os detentos que conseguem o benefício têm a oportunidade de trabalhar em lugares determinados pela Justiça.
Tal campanha está apoiando o Projeto de Lei 3.174, da autoria do Deputado Giovani Cherini (PR) e outros, como Jair Bolsonaro (PSC) e Eduardo Bolsonaro (PSC). Extinguindo o regime semiaberto, o PL estabelece o regime fechado e aberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade.

Vários são os motivos alegados pelo MBL, representado por Kim Kataguiri (um dos líderes do movimento), no vídeo. Um deles é de que “70% dos criminosos presos pela polícia são reincidentes”. Segundo o IPEA, no entanto, a partir de uma pesquisa realizada em 2015, esse número cai para 24,4%, uma vez que presos que aguardam julgamento e que são absolvidos não contam.
Além dessa contradição nos dados, especialistas apontam que, mesmo que o regime semiaberto necessite de mudanças, ele não pode ser extinguido, uma vez que o regime prepara o preso para ser reinserido na sociedade, ou seja, é um mediador entre a privação da liberdade e a liberdade.
Questões que deveriam ser mais evidenciadas são os casos que deram certo, presos que saíram da cadeia e, a partir do regime semiaberto, conseguiram suas reinserções na sociedade. O que o PL afirma, entretanto, é algo oposto, olhando apenas o número de reincidentes, que, na visão dos apoiadores do projeto, é muito maior do que apontam as estatísticas.

As fontes do MBL
A Agência Pública, site de Jornalismo independente, tem um espaço dedicado à checagem de informações repercutidas. Como a campanha do MBL teve muitas visualizações, principalmente no Facebook (130.300), a Pública se interessou em checar algumas informações contidas no vídeo.
Ao perguntar quais foram as fontes utilizadas para basear a informação, o site obteve uma resposta agressiva por parte do movimento, que anexou, inclusive, a foto de um pênis, acompanhada da frase “Check this”. Esse fato está disponível aqui.

A ditadura da miséria
Diversos fatos históricos que ocorreram na humanidade e que tiveram resultados evidentes nos mostram aonde o Brasil vai parar com a volta do neoliberalismo.
O discurso de ódio contra o Estado (costumeiro no liberalismo, desde que o Brasil era império) é contraditório, na medida em que os mesmos que proferem esse discurso apontam uma necessidade de se ampliar a entidade odiada, no campo da repressão. Criação de mais presídios e modernização do aparato de repressão são alguns dos exemplos.
Enquanto isso, educação e saúde sofrem cortes, tanto a nível municipal, quanto federal.
Para que tudo isso chegasse a esse ponto, foram necessárias estratégias. Parecidas, inclusive, com estas aqui.
Como excelentes métodos de divulgação de ideias, livros, palestras e conferências estão entre as estratégias utilizadas pelos liberais, desde de que Charles Murray, politicólogo que recebeu 30 mil dólares e 30 anos de tranquilidade para escrever Losing Ground, veio à tona, por meio de investimentos maciços do Manhattan Institute, sendo colocado nos circuitos talk shows televisados e nas conferências universitárias. O livro de Murray, segundo Loic Wacquant, autor de As prisões da miséria, é uma “obra recheada de absurdos lógicos e erros empíricos”.
Apesar dessas estratégias terem sido usadas na década de 80, ainda estão em evidência:
No dia 20 de julho, o site Justificando publicou uma notícia cujo título era “MP-RJ convida Kim Kataguiri para palestra sobre segurança pública e bandidolatria”. A palestra está programada para acontecer no dia 15 de setembro junto com o lançamento do livro Bandidolatria e Democídio, Ensaios sobre o Garantismo Penal e Criminalidade no Brasil (clique aqui e veja uma resenha do livro). Como dito anteriormente, diversos fatos históricos que ocorreram na humanidade e que tiveram resultados evidentes nos mostram aonde o Brasil vai parar com a volta do neoliberalismo.
Os EUA pararam no topo do ranking de países com a maior população carcerária do mundo. Mas, antes disso, a segunda parte das estratégias tiveram que ser concretizadas.
Após a concretização dos ideais, políticas de favorecimento a empresas privadas foram o foco, nos EUA, privatizando o sistema penitenciário e obrigando os detentos a trabalharem de graça. Um verdadeiro trabalho escravo. Isso é evidenciado no documentário A 13ª Emenda. Leia a resenha do documentário aqui.
No Brasil, além disso, houve a criminalização da esquerda, aproveitando a imagem de corrupção do Partido dos Trabalhadores (PT) e fazendo associação com todos os partidos de ideologias semelhantes, não só do Brasil, mas da América Latina. O MBL, por exemplo, já chegou a publicar seis posts seguidos, na rede social instagram, apenas atacando os partidos, movimentos e líderes da esquerda.
Dessa forma, redução do Estado nos campos social e econômico (com corte de gastos nas áreas de saúde e educação e a não intervenção na economia), o crescimento da sua presença no campo penal (com aumento de gastos na repressão sistematizada), além da realização de conferências e palestras, publicação de livros, disseminação de novas moralidades (como a do trabalho), e a instauração do trabalho gratuito dos detentos como nova forma de escravidão, são fatos que estão ou estarão para acontecer no Brasil e já se sabe o que isso irá gerar, tendo como uma manifestação da ditadura da miséria o Projeto de Lei que visa a extinção do regime semiaberto, o qual, no longo prazo, não combaterá a reincidência criminal e cooperará para o aumento do encarceramento (que já em massa).

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